Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
«Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.
Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.
O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.
Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.
Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?
Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.
Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.
Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.»
João Cabral de Melo Neto (Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois)
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