Quando eu morder a palavra


Quando eu morder

a palavra,

por favor,

não me apressem,

quero mascar,

rasgar entre os dentes,

a pele, os ossos, o tutano

do verbo,

para assim versejar

o âmago das coisas.


Quando meu olhar

se perder no nada,

por favor,

não me despertem,

quero reter,

no adentro da íris,

a menor sombra,

do ínfimo movimento.


Quando meus pés

abrandarem na marcha,

por favor,

não me forcem.

Caminhar para quê?

Deixem-me quedar,

deixem-me quieta,

na aparente inércia.


Nem todo viandante

anda estradas,

há mundos submersos,

que só o silêncio

da poesia penetra.


Conceição Evaristo (Poemas da Recordação e Outros Movimentos)


Um comentário:

Ulisses de Carvalho disse...

Lindo! E forte também.
Grande poeta.
Abraço.