O Chamado

Na rua escura o velho poeta 
(lume de minha mocidade) 
já não criava, simples criatura 
exposta aos ventos da cidade.

Ao vê-lo curvo e desgarrado 
na caótica noite urbana,
o que senti, não alegria,
era, talvez, carência humana.

E pergunto ao poeta, pergunto-lhe 
(numa esperança que não digo) 
para onde vai — a que angra serena, 
a que Pasárgada, a que abrigo?

A palavra oscila no espaço
um momento. Eis que, sibilino, 
entre as aparências sem rumo, 
responde o poeta: Ao meu destino.

E foi-se para onde a intuição,
o amor, o risco desejado
o chamavam, sem que ninguém 
pressentisse, em torno, o Chamado.

Carlos Drummond de Andrade (do livro Claro Enigma)

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